Um novo entendimento da Receita Federal pode levar ao pagamento dobrado de imposto, criando insegurança jurídica para donos de terrenos que realizarem permutas com incorporadoras.
Muito usual no mercado imobiliário a realização da permuta, onde há uma “troca” entre o proprietário de um imóvel (ou de um terreno) e a incorporadora, que deseja construir um empreendimento no local, ou seja, o proprietário cede seu imóvel ou terreno para a incorporadora em troca de unidades futuras do imóvel a ser construído.
Mais especificadamente há, ainda, a permuta financeira onde o proprietário do terreno não recebe um valor fixo à vista, como em uma venda tradicional, mas receberá mensalmente um percentual conforme as vendas realizadas pela incorporadora, ou seja, o preço de alienação é indeterminado.
É uma parceria na qual o dono do imóvel ou terreno entra como “sócio informal” do negócio, assumindo riscos, acompanhando resultados e dependendo do êxito das vendas.
Há, contudo, uma armadilha tributária nessa operação, exigindo atenção especial por parte de um advogado especialista.
A Receita Federal respondeu, por meio da Solução de Consulta COSIT 89/2025[1], que a natureza da operação não se submete à vontade das partes ou à nomenclatura que estas decidam adotar no contrato e que o Direito Tributário não se curva à semântica privada, mas sim à substância dos atos jurídicos praticados.
Assim, a Receita tem tratado esses proprietários apenas como vendedores de imóvel, cobrando deles o Imposto de Renda sobre ganho de capital, que pode chegar a 22,5%.
Afirmou a Receita nessa consulta que: “Na tributação do ganho de capital na alienação de imóvel sob a forma de pagamento parcelado, com valor proporcional à participação do imóvel no total do empreendimento, o alienante deve, inicialmente, apurar o valor da alienação em conformidade com a operação estipulada no contrato de compra e venda, caso haja, ou o valor de mercado, em conformidade com o disposto nos incisos I e II do art. 19 da IN RFB nº 84, de 2001[2].”
Já a incorporadora, por sua vez, é beneficiada pelo Regime Especial de Tributação (RET), com alíquota unificada de 4%, conforme prevê a Lei nº 13.970/19, que alterou a Lei 12.024/09[3], que regula as incorporações imobiliárias, porém, muitas vezes, esse percentual também é repassado para o vendedor.
Há uma espécie de bitributação disfarçada, pois a Receita desconsidera que o dono do terreno está economicamente integrado ao empreendimento, assumindo os mesmos riscos da incorporadora, e aplica sobre ele uma tributação mais pesada, como se ele estivesse apenas vendendo um imóvel.
O RET foi criado não apenas para simplificar a arrecadação no setor habitacional, mas também como política social, voltada à promoção do Minha Casa Minha Vida e à segurança jurídica das incorporações e, quando o proprietário se associa ao projeto, ele deveria ser tratado como co-incorporador e ter direito ao mesmo regime fiscal.
A situação se complica porque, ao repassar ao proprietário o valor correspondente à sua participação, a incorporadora já deduz a alíquota de 4% — o que significa que o mesmo valor está sendo tributado nas duas pontas, violando aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia, punindo quem contribui para a geração de riqueza no país.
Essa interpretação da Receita não se mostra adequada e não é a melhor leitura da legislação, sendo possível se judicializar para que o proprietário busque ser reconhecido como co-incorporador, ou, ao menos, revisar o contrato de permuta para minimizar os impactos tributários.
Portanto, é essencial que os proprietários façam uma consultoria especializada antes de concretizarem uma permuta com uma incorporadora, principalmente para entenderem a tributação envolvida.
HAROLDO LOURENÇO
Advogado e sócio fundador do BLP Advogados
[1] https://normasinternet2.receita.fazenda.gov.br/#/consulta/externa/144709
[2] Art. 19. Considera-se valor de alienação:
I – o preço efetivo da operação de venda ou de cessão de direitos;
II – o valor de mercado, nas operações não expressas em dinheiro;
[3] “Art. 2º-A. A partir de 1º de janeiro de 2020, a empresa construtora que tenha sido contratada ou tenha obras iniciadas para construir unidades habitacionais de valor de até R$ 124.000,00 (cento e vinte e quatro mil reais) no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), de que trata a Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, fica autorizada, em caráter opcional, a efetuar o pagamento unificado de tributos equivalente a 4% (quatro por cento) da receita mensal auferida pelo contrato de construção.
- 1º O pagamento mensal unificado de que trata o caput deste artigo corresponderá aos seguintes tributos:
I – Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ);
II – contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep);
III – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e
IV – Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).