As normas gerais que impedem a arrematação de um bem por preço vil em um processo judicial são plenamente aplicáveis ao caso de execução extrajudicial de um imóvel alvo de alienação fiduciária, mesmo para casos anteriores à Lei 14.711/23.
A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que declarou a nulidade da arrematação do imóvel de uma empresa devedora, determinando a realização de novo leilão.
O caso trata de uma empresa que fez um empréstimo de R$ 28,6 milhões por meio de escritura pública de cessão de crédito com pacto adjeto de alienação fiduciária de imóvel.
Isso significa que, para obter os R$ 28,6 milhões, a empresa passou ao credor a propriedade de um imóvel como garantia pela alienação fiduciária e, em caso de não pagamento da dívida, o credor poderia leiloar o bem para reaver os valores. Foi o que aconteceu.
A empresa devedora deixou de cumprir com as obrigações a partir da quarta parcela, o que levou à execução extrajudicial do imóvel, avaliado em R$ 84,4 milhões.
No primeiro leilão, nenhum lance chegou a esse valor, porém no segundo leilão, venceu o lance de R$ 33 milhões, suficiente para quitar o saldo devedor e os demais encargos — o custo do próprio leilão, os juros da dívida e outras obrigações tributárias, incluindo o pagamento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
Para a empresa devedora, a arrematação é ilegal porque foi feita por preço vil, com fundamento no art. 884 do Código Civil e no art. 891, caput e parágrafo único do Código de Processo Civil, regras que proíbem o enriquecimento sem causa e, no caso de alienação, o lance que ofereça preço vil, considerado aquele inferior a 50% do valor da avaliação, o que foi afastado pelo TJ/SP sob a alegação de esse critério não estava descrito na Lei 9.514/97 (alienação fiduciária).
Interessante registrar que o art. 27 da lei da alienação fiduciária, que estava vigente à época dos fatos e do julgamento, se resumia a indicar que no segundo leilão “será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos”, porém tal norma foi alterada pela Lei 14.711/2023, onde o parágrafo 2º do artigo 27 indica que, em segundo leilão, não pode ser aceito lance inferior à metade do valor de avaliação do bem, ainda que superior ao valor da dívida, o que já era o posicionamento do STJ[1].
Haroldo Lourenço
Sócio Fundador BLP Advogados
Doutor em Direito
Professor Adjunto na UFRJ
[1] STJ, 3ª Turma, REsp 2.039.253/SP, rel. Min. Nancy Andrigui.